Diretor da Educafro quer conversar com Dunga para dizer a ele que negros não gostam de apanhar
Frei David, porém, elogia o técnico por reconhecer que negros são alvo de violência e são perseguidos no Brasil

RIO – As declarações do técnico Dunga, da seleção brasileira, de que ele parece ser afrodescendente (negro), de tanto que apanha e que gosta de apanhar — ao comentar as críticas de que tem sido alvo no comando da equipe na Copa América — vêm repercutindo junto a setores da comunidade negra. Diretor do movimento Educafro (Pré-Vestibulares gratuitos para alunos negros e de baixa renda), o frei franciscano David Raimundo dos Santos, quer conversar com o técnico para saber de onde ele tirou a ideia de que afrodescendentes gostam de apanhar.
— Só me preocupa quando ele diz que negros ‘gostam de apanhar’. Tenho plena convicção de que a população afrodescente não gosta disso, e por isso nós lutamos contra o auto de resistência (que teoricamente dá aos policiais o direito de atirar em quem resiste à ordem de prisão) que a polícia usa abusiva e ostensivamene, ferindo a Constituição promulgada em 1988 — comentou ele. — Se o Dunga aceitar, gostaria de conversar com ele e dizer, cara a cara, que o povo negro não gosta de apanhar. A exclusão do povo afrodescendete foi gestada na escravidão e é perpetuada pelo período democrático. Só acho que ele se equivocou ao dizer que o povo negro gosta de apanhar. Gostaria de entender porque ele pensa assim, e se possível gostaria de me reunir com ele para conversar sobre isso.
O religioso, porém, conseguiu ver aspectos positivos nas declarações do técnico. Para ele, o treinador acabou se identificando com o povo negro brasileiro sempre agredido, violentado e perseguido.
— Quero elogiá-lo por falar publicamente que reconhece que o povo negro é violentado e espancado pela polícia e por outros setores da sociedade brasileira, mesmo sem merecer — afirmou o religioso. — Num outro aspecto, quando ele, que é ostensivamente branco, se sente como um afrodescendente por sofrer perseguição, está dando ao público elementos para dizer que na sociedade brasileira, quanto mais afrodescendente, mais se é vítima de perseguições e sofrimentos.
FONTE: https://oglobo.globo.com/esportes/diretor-da-educafro-quer-conversar-com-dunga-para-dizer-ele-que-negros-nao-gostam-de-apanhar-16571149#ixzz3eDCYXvaD
Dunga, Racismo e Futebol
Dunga, com seu comentário após a derrota para o Paraguay, mostra como o racismo se manisfesta contra negros no futebol e na sociedade.
Quando Dunga, se compara a afrodescendente para lembrar o quanto ele apanhou em campo na copa de 94, ele traz a tona uma realidade quase nunca discutida: Que o jogador negro apanha mais, simplesmente por causa da cor da sua pele. Que ser um jogador negro é o suficiente para não gostem dele. Para que olhem para ele e comecem a bater, “sem noção, sem nada”. Abaixo estão suas palavras:
“…eu até acho que sou afrodescedente pelo tanto que apanhei e gosto de apanhar, os caras olham pra mim e vamos bater nesse aí e aí começam e me bater sem noção sem nada, não gostam dele [do negro] e começa a bater. E tá aqui na seleção é isso,[como se ele fosse afrodescendente] só tem uma chance, ganhar e mesmo quando ganha você não vai satisfazer a todos…”. Clique para ver o vídeo.
Em seu comentário, Dunga expressa evidente racismo ao sugerir que ser afrodescendente é gostar de apanhar—uma frase inaceitaceitável que requer pedido de desculpas e reflexão.
Por outro lado, Dunga confirma, em seu infeliz comentário, o racismo que existe contra negros no Brasil. Quando ele diz “…“…eu até acho que sou afrodescedente pelo tanto que apanhei e gosto de apanhar…. E tá aqui na seleção é isso, ,[como se ele fosse afrodescendente] só tem uma chance, ganhar e mesmo quando ganha você não vai satisfazer a todos…”, implicitamente ele compara as perseguições, críticas e intolerância para erros que recebe em seu cargo como se ele fosse afrodescendente. Ou seja, para sofrer tanto, só sendo afrodescendente.
O comentário de Dunga, abre espaço também para reflexões em relação ao tratamento desigual que o jogador negro recebe não só no futebol brasileiro, como também no futebol internacional.
Começei a notar essse tipo de racismo no futebol assistindo jogos europeus, onde a maioria dos jagadores são brancos. Também é fácil notar essa discriminação racial assistindo jogos entre seleções de jogadores de maioria negra contra seleções de jogadores de maioria branca.
O atleta negro, não só apanha mais, como Dunga fala, como também recebe faltas mais violentas, empurrões e agressões que nem sempre são marcados. Uma desses formas de discriminação racial é como o corpo do jogador negro é menos protegido pelo árbitro quando recebe faltas. Ou seja, faltas no jogador negro nem sempre resultam em punição severa, seja a falta cometida por um jogador negro ou branco. No pensamento racista, de algumas juízes, é como se o jogador negro fosse capaz de suportar mais dor ou se ele não fosse importante.
Outra forma de visível discriminação, é o número disproporcional de cartões amerelos e recriminações severas que o jogador negro recebe quando comete falta num jogador branco. É como se o jogador negro fosse uma ferra que precisa ser contida a qualquer custo. É só assistir e prestar atenção. Os flagrantes maiores acontecem em jogos menos importantes, com jogadores negros desconhecidos, e com menas corbertura da mídia.
Apesar de que jogadores negros desconhecidos serem as maiores vítimas, jogadores negros famosos não estão livres do racismo. Muito pelo contrário. Se ele tiver uma personalidade forte ele não só é perseguido dentro de campo, como fora também. Esse é caso de Mário Bolatelli.
Quem conhece Mario Bollatelli, jogador do Liverpool da Inglaterra, sabe que ele é um negro escuro, alto e de personalidade forte. Eu chamo à atenção a tonalidade da pele, porque quanto mais escura a cor da pele pior as consequências para o jogador e manisfetações de racismo que sofre. Bolatelli recebe imensa pressão dentro do campo por adversários e sofre racismo por conta de alguns juízes, comentaristas e mídia esportiva.
Em um jôgo na Itália em 2010, quando ele jogava no Inter de Millan, Franscesco Totti, um jogador branco do time adversário, demonstrou esse tipo racismo o qual Dunga se refere, quando chutou Bolatelli com toda força possível, sem bola e com visível raiva e desprezo. Totti foi expluso e ao que saiba nenhuma punição aconteceu fora de campo. Agora, imagine o que aconteceria se Bollateli o tivesse chutado da mesma forma? Ou se um outro jogador negro tivesso largado a bola e chutado um jogador branco da mesma forma bárbara e violenta?
Em fim, o tratamento que o jogador negro recebe em campo é diferente por causa do racismo. Esse é um dos aspectos que está claro no comentário de Dunga.
Muito Obrigado,
Roberval Oliveira