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COLETIVO AFROLGBTQ+

O que é? O coletivo AFRO LGBT é uma iniciativa que surge em meio a demanda social pela busca da representatividade e identidade da população Negra LGBTQ+. Voltado para formação e contratação de profissionais LGBTQ+s nas diversas áreas de trabalho.

Objetivo: Procuramos promover a contratação de profissionais LGBTQ+s  nas empresas parceiras e estimular o debate na sociedade e nos diversos espaços de resistência.  Inicialmente teremos reuniões semanais de captação e formação de novos membros.

Nossa primeira reunião acontecerá no dia 11/09, ás 18h.

O Afro LGBT surge a partir de um espaço de fala e de uma experiência pessoal, por ser negro, gay e periférico me vi em uma situação bastante complicada, a busca por um emprego de carteira assinada. Em um cenário de crise política e econômica com 13 milhões de desempregados ser contratado não seria fácil, sendo negro, gay e morando na periferia percebi que as chances seriam ainda menores. Durantes meses distribui diversos currículos em diversas empresas e até hoje aguardo um retorno.

Há poucos dias o Ministério da Saúde lançou uma cartilha com dados sobre o suicídio, o índice de suicídios entre jovens negros é 45% maior que o de jovens brancos, o racismo impacta diretamente as nossas vidas. Pensando nisso e querendo fugir dessa estatística aprendi a importância e a necessidade de “aquilombar” – de se aproximar e de se fortalecer com os nossos iguais- é dessa união que surge a rede AFRO LGBT.

Samuel Dias

A Partir da minha experiência pessoal sendo negra, Trans e marginalizada na sociedade, percebi um grande preconceito na contratação de pessoas trans, na qual empresas não oferecem oportunidades de emprego. As empresas institucionalizam a violência que a sociedade tem aos que não se encaixam no padrão normativo -homem, cis, branco, hétero- e quando há uma contratação de transexuais é em sua maioria por empresas terceirizadas, em cargos precarizados e nunca de liderança.

A comunidade LGBT não tem oportunidades de emprego e educação, cerca de 90% dos travestis e transexuais sobrevivem da prostituição. Em minha experiência, passei por uma grande dificuldade na minha formação sendo barrada nas escolas por ser uma garota transgênero, não só pelos funcionários, mas também pelos próprios alunos. Não há razão para excluir alguém pela identidade de gênero. Por isso acredito na necessidade da inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho, como um agente de trans-formação social.

Emery Khoury


Artigo: Abuso de autoridade o autoridades abusiva

Matéria publicada originalmente em: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigo-abuso-de-autoridade-ou-autoridades-abusivas-23899437

Processos que vitimizam negros têm alto grau de conivência do Ministério Público
David Santos e Hélio Santos
26/08/2019 – 00:00

O projeto 7956/2017 — aprovado por unanimidade na Câmara e no Senado — nada mais é do que retomar princípios constitucionais que historicamente foram e são negados aos pretos, pobres e prostitutas. Ter medo dele é dizer que não quer valorizar este importante pedaço da Constituição
Cidadã. Poucas vezes vimos no Congresso um projeto que tão bem se encaixa na demanda e no clamor históricos dos que desejam uma sociedade justa e autoridades sujeitas ao princípio da legalidade.
Tivemos a escravidão mais longa do Hemisfério Ocidental, cerca de 350 anos — o que vem a ser a matriz da profunda desigualdade brasileira. Portanto, quando procuradores, juízes e policiais clamam pelo veto da lei que pune o abuso de autoridades que investigam, denunciam, condenam, reprimem e prendem em nome do Estado, abusivamente, o ativismo negro se coloca frontalmente a esse bramido. A população negra é a que mais sofre os abusos decorrentes das arbitrariedades praticadas por agentes do Estado.

Não se deve esquecer que a Justiça e seu aparato que envolvem as polícias estão a serviço de uma sociedade reconhecidamente rica, branca e racista, que coloca policiais negros, de todos os postos e patentes, em confronto com os direitos dos seus iguais. O racismo estrutural — que sabemos fazer parte do DNA da burguesia brasileira — impregna toda a máquina estatal. Ora, esse aparato serve àquela sociedade e, no que diz respeito à polícia, é o próprio braço armado dela. Imaginar que esse construto legal- repressivo é isento de racismo é desconhecer o bê-á-bá da psicologia social. Policiais negros, tais como capitães do mato, são os executores de uma política genocida de negros e pobres, gerenciada por outros agentes do sistema de Justiça, incluindo o Ministério Público e Magistratura.

Essa estrutura funciona como imagem e sombra que se conectam e é uma eficiente máquina de moer cidadania dos mais humildes, especialmente os negros. É bem diferente sofrer racismo no mercado de trabalho do que se defrontar com o racismo dos tribunais e das ações policiais. O número avassalador de mortes que ficam impunes, por abuso dos promotores de Justiça, magistrados e autoridades policiais, escancara esse fato. Por isso, para a população negra o projeto de lei é estratégico, a fim de reconhecer os direitos de cidadania daquele segmento majoritário.
Quando a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entende que o “remédio pode virar veneno”, ela deveria ouvir as inúmeras mães negras deste Brasil cujos filhos foram exterminados pelos abusos policiais e conivências dos promotores, defensores e juízes, sem que nada os colocasse como criminosos, a não ser o fato de serem pretos e pobres. Como exemplo recente, está o abusivo assassinato de seis jovens negros no Rio de Janeiro, estado onde mais acontece o abuso de autoridades.

Nenhuma autoridade que se quer isenta e justa pode temer uma legislação que condena ações praticadas com a finalidade específica de prejudicar alguém ou beneficiar a si mesmo ou a terceiros. Juízes comprometidos com os direitos das pessoas humanas não temem tal lei, nem submissão a julgamento. Ao contrário, confiam na Justiça que integram, pois serão julgados pelos seus pares, que acreditam tão justos quanto o são. O clamor corporativista que se instalou está lutando não pelos direitos da sociedade, mas pela manutenção de privilégios abusivos que, muitas vezes, se compactuam, blindam atitudes e ações de autoridades que cometem violências, incrustadas na cultura do racismo estrutural. Isso ocorre no policiamento ostensivo, nos tribunais e na negligência aos direitos que o Ministério Público nem sempre está disposto a defender. Os processos que vitimizam pessoas da comunidade negra têm um alto grau de conivência do Ministério Público, que deveria exercer a função constitucional de controle da atividade policial. Mas também contam com a complacência do Judiciário.

Para os afrodescendentes — 54,9% da população —, a sanção, por parte do presidente Bolsonaro, do projeto de lei 7.596/2017 não é um desserviço à nação. Pelo contrário, é o resguardo da cidadania secularmente aviltada por agentes de um Estado estruturalmente racista, como revelam inúmeros estudos feitos por autores nacionais e estrangeiros.
Está na mesa do presidente Bolsonaro, para promulgação — até 5 de setembro — uma das leis que mais beneficiarão o povo negro. O direito penal brasileiro sempre puniu abusivamente mais os negros, pobres e prostitutas do que os brancos, ricos e com “vida escondida”. Esta é uma das poucas vezes em que, na briga entre os grandes, acabam fazendo uma lei que, sem querer, irá beneficiar largamente a juventude negra, vítima em alto grau do abuso das autoridades em geral e das autoridades policiais em especial.

David Santos é teólogo; Hélio Santos é administrador

Matéria publicada originalmente em: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigo-abuso-de-autoridade-ou-autoridades-abusivas-23899437


educafro-1-ano-de-resistencia-20-de-agosto

Nunca tão poucos fizeram tanto por tantos!

Era o dia 20 de agosto de 2018. 7 jovens guerreiros/as acorrentados/as no pátio da Secretaria de Justiça e Cidadania de São Paulo. Ali passaram 13 dias. Alimentando-se ali… dormindo ali. Tudo isso em prol de uma causa. Você se lembra?

Muitas vezes, com a correria do dia a dia, nos esquecemos de momentos importantes da nossa história. Mas aqui na EDUCAFRO, dia 21 de agosto é dia de relembrar, de celebrar, de resistir. Há exatos 365 dias, aconteceu o Protesto das Correntes, onde 4 mulheres e 3 homens, voluntários da EDUCAFRO, se manifestaram com seus corpos para que a Lei 1.259/……….. fosse regulamentada.

Foram dias de luta, de dor, de frio. Dias em que, além dos 7 guerreiros, muitos outros guerreiros/as se uniram para defender um povo. Eram advogados, voluntários, militantes, todos em busca de um único resultado: Mais direitos para nós, negros. É o que conta o voluntário Samuel, um dos 3 homens acorrentados no protestos.

“Fomos acorrentados durante 13 dias na Secretaria de Justiça e Cidadania, onde nós reivindicávamos a regulamentação da lei 1259, que tem o objetivo de incluir a população preta, parda e indígena (PPI). Essa Lei havia sido aprovada na Assembléia Legislativa em 2015 mas não havia sido regulamentada pelo então governador Geraldo Alckmin. Após essa reivindicação, e a luta do Frei David no Palácio dos Bandeirantes, nós conseguimos ver essa lei regulamentada em 19 de dezembro de 2018. Aqueles treze dias não foram fáceis. Nós estávamos em 7, 3 homens e 4 mulheres. Nós dormíamos no chão. As refeições eram servidas ali mesmo. Mas conseguimos resistir.”

A Lei 1259 tem por objetivo principal garantir que haja um sistema de pontuação diferenciada em concursos públicos para os candidatos pretos, pardos e indígenas. E se hoje essa Lei existe, se hoje nosso povo tem políticas de ação afirmativas nos concursos do Estado de São Paulo, é porque no passado houve luta, houve resistência.

Mas, mesmo um ano depois, a luta continua, como conta o depoimento da Ester, nossa voluntária, que foi uma das 4 mulheres acorrentadas durante 13 dias.

“ver essa conquista um ano depois, uma conquista através dos corpos físicos, quase 134 anos após a abolição da escravatura, em pleno 2018, no estado de São Paulo, um estado tão inovador, tão cheio de estrutura, mas com o mínimo de apoio para as políticas públicas. Com as cotas na secretaria da justiça não foi diferente. Há, ainda, uma forte excludente com o povo negro, com o povo pobre, em um dos maiores estados do Brasil, e um dos maiores da América Latina, e também um dos maiores em relação ao racismo e ao preconceito. Falar de um ano, ainda é falar com dor, ainda é falar com indignação, porque falta muito à fazer. Na prática a mudança ainda está muito tímida. É uma violência. Não há o que comemorar, mas vamos continuar na resistência e pedimos para as próximas gerações fazerem o mesmo.”

Ao final dos 13 dias, já muito cansados, os 7 guerreiros deixaram a Secretaria de Justiça. Mas então foi a vez do Frei David dar continuidade aos protestos no Palácio dos Bandeirantes, com transmissão para todo o Brasil. Com toda essa pressão, o governo cedeu e conseguimos a nossa vitória.

Uma vitória que ficará marcada para sempre, como confirma a voluntária Priscila, que também estava entre as 4 mulheres que se acorrentaram no Protesto das Correntes:

“Nós tomamos a decisão de fazer algo para mudar a história. Sabíamos que se fossemos para as ruas, o resultado não seria tão satisfatório. Então resolvemos fazer algo revolucionário. Com poucas pessoas, mas pessoas conscientes. Foi um ato voluntário de cada integrante, não houve nenhum envolvimento de força, foi uma decisão própria nossa. Nós decidimos mudar a realidade do nosso povo. Foram 13 dias de luta e resistência. Nossa resistência maior não foi física, mas sim psicológica. Pois a gente precisava se manter com foco, saber porque estávamos ali e entender o que nos motivou à chegar ali. Foi algo marcante, 7 pessoas conscientes e resistentes mudaram a história do estado de São Paulo. Foram momentos difíceis, mas nunca pensamos em desistir. Sempre pensávamos em permanecer, lutar, continuar, trazer a memória à luta dos nossos ancestrais. Foi um marco, passou um ano muito rápido, mas não podemos nos esquecer jamais. Não foram as 7 pessoas, foi a entidade EDUCAFRO que lutou para que isso acontecesse.

Naquele dia, há um ano atrás, Priscila, Ester, Suedi, Izania, Braziel, Uendel e Samuel, decidiram fazer história, mudar a história. Mas e hoje, um ano depois, o que mudou? O que ainda falta mudar? O que você tem feito para mudar? Olhando para o nosso passado, vemos lutas. Olhando para o nosso presente, vemos conquistas. Mas e o futuro? O que ele nos reserva?

Você, que está lendo esse texto agora, é o nosso futuro. Você é capaz de se unir ao nosso povo para combater, resistir e transformar? Você, independente do lugar que esteja, pode ser resistência. Você pode ser força. Você pode ser transformação.

O protesto das correntes acabou, mas a nossa luta, mesmo depois de um ano, continua! Como Frei David disse durante o protesto “Nunca, tão poucos fizeram tanto por tantos”. Mas se apenas 7 guerreiros fizeram tanto, imagine então quando formos todos lutando por um país melhor, mais igualitário e mais justo? Essa luta também é sua!

Vamos juntos?