Frei Davi Santos: 'O STF não está na suiça, mas num país miscigenado.'

Diretor da ONG Educafro, focada na promoção da igualdade racial, o frei David Santos pretende cobrar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a indicação de um negro para substituir o ministro Ricardo Lewandowski, que se aposenta em maio, no Supremo Tribunal Federal (STF). Em entrevista ao Estadão, ele avaliou que esta seria uma forma de o petista honrar o compromisso com a diversidade, assumido na campanha. O religioso e ativista se prepara para ir nos próximos dias a Brasília, onde tentará uma audiência com Lula.

Há 20 anos, durante seu mandato inaugural no Planalto, o petista indicou para o Supremo o então procurador Joaquim Barbosa, que se tornou o primeiro negro e presidir a Corte. Lá, ele ganhou notoriedade pela atuação como relator do mensalão, esquema de corrupção pelo qual o Executivo garantia apoio no Congresso.

O frade argumentou que um possível ministro negro no STF daria um sinal positivo para os jovens. “Se eu ligo a TV e só tem negro apanhando da polícia, eu cresço com essa autoestima mal resolvida. É preciso sonhar com coisas grandes também.” Afirmou ainda que não espera a defesa de uma “pauta prioritária” na Corte. O importante, destacou, é mostrar à sociedade que uma pessoa negra julga qualquer matéria com a mesma qualidade dos demais magistrados.

A ONG defende o nome de André Nicolitt para a Corte. O juiz é doutor em Direito pela Universidade Católica Portuguesa e professor do programa de pós-graduação da Faculdade dos Guararapes (UNIFG). Segundo o frade, negros com “altíssima prática jurídica” não são escolhidos para o STF porque não têm relações com pessoas influentes – ou, como ele define, por não serem “amigos do rei”.

Que indicativo um ministro negro no Supremo dá para a sociedade?

Mostra que o Brasil está evoluindo na sua capacidade humana de valorizar a inclusão e o respeito ao diferente. Ao mesmo tempo, o Brasil entra em sintonia com aquilo que ele assinou. O Brasil assinou o tratado da ONU para garantir a diversidade em todos os espaços, contra qualquer forma de discriminação e exclusão (o País faz parte do Comitê Internacional sobre a Eliminação da Discriminação Racial). Ora, é fácil assinar, mas e cumprir? Somos 56,2% de afro-brasileiros e no STF somos 0%. Cadê a representatividade tão prometida pelas esquerdas? Nosso STF não está na Suíça e, sim, neste fantástico país miscigenado que é o Brasil.

A Educafro pretende entregar indicações formalmente ao presidente Lula?

Assim que sair essa entrevista, quero entregá-la na mão do presidente Lula. É o nosso plano. Estou indo para Brasília nos próximos dias. Se Lula for fiel à sua trajetória humana, irá buscar julgadores que, além dos valores constitucionais de ilibado saber jurídico, já passaram fome, foram perseguidos por seguranças e tomaram “dura” da polícia. Não podemos ter um STF composto apenas por aqueles que nunca andaram de ônibus para trabalhar ou que não passaram por tudo o que Lula e os pobres passaram e passam. No STF, precisamos ter julgadores que tragam as dores e as cores do povo.

Há algum documento com indicações?

Sim, já há várias entidades afro-brasileiras produzindo documentos indicando nomes de mulheres e homens afro-brasileiros. Queremos que isso possa ser uma disputa sadia, da qual nós façamos parte.

Acha que há disposição do presidente para isso?

Esta é a grande interrogação. Na campanha, combater o racismo estrutural era compromisso. Quando ele escolheu os ministros, conseguiu, entre pretos e pardos, colocar sete. Agora, na escolha de ministros do STF, a gente está torcendo para que o escolhido não seja um “amigo do rei”, mas alguém que sirva ao Brasil, com compromisso com a democracia. Entendemos que a nossa indicação é um democrata de altíssimo grau. Fizemos um levantamento rápido, e temos mais de dez negras e negros com pós-doutorado e altíssima prática jurídica. Por que não são escolhidos? Porque não são “amigos do rei”.

Acha que um juiz negro, ao entrar no STF, deve ter uma pauta prioritária?

Nossa questão não é ter pauta prioritária, porque o STF, de todos os tribunais do Brasil, já é o mais honesto em respeito à diversidade indígena, afro, quilombola, da mulher, do LGBT. É o mais sensível. Então, temos plena certeza de que a discussão não é ter um cara que seja nosso defensor; não, é alguém que vai mostrar à sociedade que um juiz negro julga com qualidade igual ou superior a qualquer outro juiz, em qualquer matéria.

Um argumento, então, é inspirar crianças negras?

Temos consciência de que o exemplo visual é determinante no mundo moderno. Se ligo a televisão e só tem negro apanhando da polícia, e só branco que manda, cresço com essa autoestima mal resolvida. Se coloco negro como ministro do STF, vou dar referência para a juventude. Eles precisam sonhar com coisas grandes também. Não pode eternamente a criança e o adolescente se imaginarem no limite do seu pai e da sua mãe.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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